10 Albums de 2020

Gabriela Syderas
7 min readDec 14, 2020

Meus sons favoritos nesse ano infernal

Meus 25 albums favoritos

Esse foi um ano que vai ficar marcado por vários motivos, e tomará que um deles seja a música. Não apenas pelo que não aconteceu (shows ao vivo), mas pelo que os artistas se focaram em produzir nesse meio tempo. Muitos álbuns interessantes, divertidos, bem feitos saíram esse ano, e esse artigo vai delinear alguns dos meus favoritos. O chart inteiro inclui os 10 que serão mencionados + 15 menções honrosas.

Carla Bley — Life Goes On

Mais um álbum da ótima série de trios de Carla Bley / Andy Sheppard / Steve Swallow, provavelmente o meu favorito. Um ótimo exemplo do porque o estilo ECM de Jazz me atrai tanto, com improvisações extremamente livres, mas relaxantes. A influência do blues é palpável nesse álbum, seja na estrutura de riffs da música de título que intercala entre melancolia e otimismo, seja na música copycat, que brinca com o conceito do call and response improvisatório, ou na música Beautiful Telephones (baseada na primeira coisa que Trump disse ao entrar na sala oval) com as improvisações carismáticas e cheias de personalidade de Bley que variam entre um estilo quase clássico e o drama de um bom R&B. Tendemos a desacreditar um pouco artistas muito avançados em sua carreira, mas Bley mostra que mesmo depois de 60 anos, a chama de um músico não se apaga tão fácil. A vida continua

36 & Zakè — Stasis Sounds For Long​-​Distance Space Travel

Na página do álbum no Bandcamp, o primeiro parágrafo da descrição contrasta a correria do mundo moderno com a distração que domina nossa vida. Isso, em seguida, é contrastado com a expansão lenta, metódica e `ensurdecedoramente silenciosa” do espaço. O álbum busca capturar um pouco dessa atmosfera, baseado ao mesmo tempo em transmissões celestiais delicadas e na fantasia sci-fi do hipersono. São tons lentos, borrados e frágeis, mas carregando em si a quente energia das estrelas. Field Recordings se misturam com sintetizadores em uma linda valsa espacial que te domina fisicamente e estimula seus devaneios celestes (e, diga se de passagem, uma ótima trilha sonora para leitura de ficção científica)

Lianne La Havas — Lianne La Havas

Vindo cinco anos depois do último álbum dela, esse self titled é quase como um novo respirar de vida para Lianne. Afundando ainda mais em suas influências, Lianne La Havas é íntimo, extremamente bem tocado e cantado, e uma visão bem colorida das possibilidades que o r&b moderno apresenta. Em maior parte escrito em conjunto com o músico Aqualung, La Havas mistura uma versão bem guitarracêntrica de neo-soul com uma voz poderosa, o álbum é groove em cima de groove, com letras sensacionais e leves sombras de folk aqui e ali. Músicas como Bittersweet e Can’t Fight tem tudo para se tornarem futuros clássicos do gênero.

(Ah, e o álbum também tem um cover lindo de Weird Fishes do Radiohead)

Eartheater — Phoenix: Flames Are Dew Upon My Skin

Eu escrevi uma ficção sonora inteira em cima desse álbum que estou cogitando se público ou não (é basicamente uma fanfic musical) pois achei que o método seria o único possível de interagir com o álbum nos próprios termos. O álbum genuinamente parece ter vindo de outra dimensão, digerindo folk por meio de eletrônica ambiente e o passado no deconstructed club de Eartheater. A autora descreveu o álbum com a expressão “Dragoncore”, aludindo aos elementos mitológicos e fantásticos da música, mas é menos uma homenagem direta aos Tolkiens e Robert E Howards e mais uma transferência deles a outro universo. Um dos álbuns mais originais deste ano.

Rina Sawayama — Sawayama

Vampirismo pop nunca foi tão divertido. Vindo de seu ótimo EP 3 anos antes (ambos produzidos em parte em colaboração com Clarence Clarity, cujo álbum Dead Screen Scrolls é uma menção honrosa dessa lista), Rina continua a surpreender com uma das versões mais visionárias da nostalgia dos anos 2000 que a cena cunhada “hiperpop” apresenta. Uma coisa que me interessa muito desse álbum é um certo anacronismo da cultura popular que, ironicamente, demonstra um grande dominio da era. Ao buscar as influências tanto no R&B de Destiny’s Child e Christina Aguillera, o electro pop de Madonna e Kylie Minogue e no Nu Metal de Deftones, Rina efetivamente cria uma grande colagem de sons que coexistiram no mesmo período, mas raramente interagiram do jeito que que se apresentam em músicas como XS, Paradisin e STFU!. Isso sem contar com um dos melhores throwbacks de house esse ano (que foi algo que não faltou, com artistas como Dua Lipa e Lady Gaga jogando no ringue) com Comme De Garçon (Like the Boys). É um álbum explodindo de diversão, mas também contando com vários momentos emocionantes falando da própria herança cultural de Rina, como alguém nascida no japão mas criada no reino unido.

A. G. Cook — 7G

Basicamente 7 discos (cada um explorando um estilo, instrumento e sonoridade diferente), 7G é uma das declarações artísticas mais exaustivas e alucinantes que eu ouvi esse ano. Entre montanhas de canções autorais (Acid Angel, Superstar e Oracle sendo algumas das minhas músicas favoritas), covers(indo desde Sia a Taylor Swift a Smashing Pumpkins) e remixes de músicas que AG Cook tinha produzido antes (como a fantástica desconstrução e reconstrução de Every Night de Hannah Diamond), o álbum sempre te pega de surpresa em sua caleidoscópica eletrônica, ao mesmo tempo distorcida, lo fi, expansiva e surrealista. Um dos meus passatempos favoritos esse ano foi botar o álbum no aleatório e não saber nem a estrutura dos álbuns contidos (divididos em Bateria, Violão, Supersaw, Piano, Nord, Spoken Word e “Vocais Extremos”). O ápice do interesse e popularidade do PC Music pode ter de certa maneira passado, mas isso não impede a gravadora de ainda lançar um álbum tão icônico quanto esse.

Yves Tumor — Heaven to a Tortured Mind

Eu literalmente escrevi um dos meus trabalhos para faculdade em cima desse álbum, então eu sugiro a leitura. Em suma, uma visão retrô futurista pós moderna brilhante que mistura samples, bandas, estilos e texturas como se fossem óbvias, uma incrível subversão musical que prova o quanto subversões não deveriam ser vistas como controversas, um álbum que encara todo som como apenas isso : um som, digno de ser moldado e contorcido para a finalidade do autor e pelo prazer do ouvinte. Músicas como Super Stars com sua power ballad exagerada, Medicine Burn com sua letra surreal e riffs intensos e A Greater Love com seu groove inquebrável se tornaram reencontros constantes esse ano. Yves Tumor vem do futuro e nos mostra a beleza que pode ser atingida caso a gente trate arte como natural e divertida.

21 Savage & Metro Boomin — Savage Mode II

Uma sequência ao Savage Mode original (uma das minhas mixtapes favoritas dessa era do hip hop), Savage Mode não só retorna ao som escuro e ameaçador que 21 Savage popularizou, mas a mixtape serve como uma grande homenagem a geração anterior de Hip Hop Sulista, com homenagens a era No Limit Records (Steppin on Ni**as), a Atlanta de Gucci Mane e Jeezy(Snitches & Rats com Young Nudy) e até a Texas dos anos 90 (com Said N Done, além do remix Chopped N Screwed oficial do álbum). Mas o álbum não é puramente uma viagem de nostalgia, as influências são tão sutis e implementadas com tanto amor que elas encaixam perfeitamente no zeitgeist apresentado nas batidas de Metro Boomin. Em suma, um álbum que não me desapontou nem um pouco.

(K)NoW_NAME — ANIME DOROHEDORO ORIGINAL SOUNDTRACK

É difícil recomendar um álbum de trilha sonora sem recomendar o produto ao qual está atrelado, e acho que a OST de Dorohedoro é um bom exemplo disso, ao mesmo tempo que uma exceção. Por um lado, o álbum é tão expansivo e longo (com 78 minutos de música para um anime de 12 episódios) que acredito poder se sustentar em seus próprios méritos. Por outro lado, o álbum é uma tradução tão perfeita da sensibilidade hiper detalhada, estranha e cheia de personalidade do Anime+Mangá que parece um desperdício não assistir a série. Uma história que mistura magia, famílias de gangster, cyber-steampunk, humor juvenil, homens com cabeça de lagarto e cogumelos, uma trilha sonora que vai desde paródias de Red Hot Chilli Peppers, passagens de ambient industrial, piano de ragtime distorcido, música de acordeão mafioso, até uma estranha paródia de Enka, o álbum assim como a propriedade original parece querer tacar toda ideia contra parede e ver o que gruda e, na minha opinião a maior parte gruda. De todas as OSTs que retornei muito esse ano (especificamente a de Beatstars, que não entra na lista por tecnicamente ser de 2019), essa foi a mais constante. Um álbum estranho para um anime estranho, mas que capta sua atenção quase imediatamente.

That Kid — Crush

Meu álbum favorito do ano. Pura e simplesmente. É difícil entender o que me faz sentir tão fortemente sobre esse álbum, além de dizer que ele parece misturar elementos de vários pontos dessa lista. Uma expressão artística corajosamente despreocupada com os pontos de referência, expansão surreal de elementos não considerados próprios para isso, basicamente é o álbum para várias ideias que se tornaram muito poderosas para mim no último ano (Ficção Sônica, Anti-Cringe culture) e a necessidade de um escapismo nesse ano infernal. Mas esse álbum também demonstra que o escapismo não é um trabalho exclusivo de vaidade, e os hinos hedonistas de Taco Bell, Seven Minutes In Heaven e Go Fast apresentam uma hiperatividade criativa que agrada muito meu TDAH. No álbum também temos um cover do clássico Kiss Me Thru The Phone de Soulja Boy, que não só reconstrói a música mas também mantém os centros emocionais da música. Seria muito fácil chamar atenção para a letra genuinamente romântica transformando a música em uma balada acústica, mas That Kid prefere amplificar os eletrônicos e a dançabilidade do instrumental, tornando a saudade e o desespero da letra original ainda mais claros. Outro highlight para mim é Seven MInutes In Heaven, que transforma a ideia de um ficante em uma festa em uma fantástica viagem, dançante, psicodélica, sempre mudando. É a canção perfeita para a taquicardia que mistura a fisicalidade com as emoções do amor moderno. Diga-se de passagem, o álbum também é extremamente engraçado, com uma sensibilidade extremamente moderna e datada (na melhor das maneiras). Vários momentos durante esse ano as frases absurdas em Kiss & Tell (“Is true that you’re pregnant? You’re glowing!” e Is It true you’re planning on becoming a born again virgin?”) ressoavam pela minha cabeça. No geral, simplesmente um álbum de pop excessivamente bem feito.

(Ah, e o álbum saiu um dia depois do meu aniversário também. Talvez isso seja parte do meu amor)

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Gabriela Syderas

History of the Arts Student at Rio De Janeiro State University, Essayist and sound artist. Sonic Fiction enthusiast, gender anarchist trans woman.